O novo e o desconhecido é algo que assusta
a todos nós. E como pensar no novo e no desconhecido
sem pensar na morte?
Todos os dias vivemos pequenas mortes que nos fazem
refletir na capacidade de enfrentarmos uma nova situação,
uma nova questão que ainda não havíamos
experimentado. Portanto, falar de morte nos remete a
pensar na vida, a refletir sobre como temos vivido,
como temos sentido, como temos aproveitado nossos potenciais
e, principalmente como vivemos sabendo que somos mortais
e que, mais dia menos dia, também “viveremos”
a experiência da morte.
Um dos maiores desejos do homem é o da imortalidade,
já que a morte não é encarada como
parte da vida e sim como algo antagônico a ela.
O fim da existência sempre preocupou o homem.
As religiões, as ciências, as artes e a
filosofia tentaram responder as questões relativas
à morte, porém nenhuma delas conseguiu
respostas completas e universais.
A nossa sociedade, ainda hoje, considera a morte um
tabu. Esse tema é evitado e ignorado, fazendo
com que vejamos a morte como algo que acontece com os
outros e não conosco. A questão principal
é que não temos coragem de encarar nossa
finitude, pois ela nos faz sentir que não somos
tão importantes ou tão especiais assim.
Durante um longo período histórico,
acreditava-se que a morte mandava avisos e quem estivesse
doente poderia perceber consigo uma “alma de outro
mundo”, pois havia a crença de que os mortos
estavam presentes entre os vivos. Havia um certo ritual
para esperá-la e, a morte repentina era considerada
desonrosa, assim como a morte por acidente ou assassinato,
uma vez que, para esta, não era permitido sepultura
cristã, justificando que não havia tempo
para o arrependimento dos pecados (Kovács, 1992*).
Do século V até o final do século
XVIII, o homem aceitava a morte com certa familiaridade,
em contraposição aos dias de hoje, que
nem se ousa pronunciar seu nome. Havia simplicidade
nas cerimônias, pois existia o simbolismo do morto
estar reunindo seus familiares. Além da familiaridade
com a morte, havia também a resignação,
aceitando a mesma como fatalidade (op.cit.).
Nos séculos XIX e XX, tem inicio a influência
da medicina na história da morte, que passa a
ser considerada como algo negativo, pois é estudada
em função da doença (op.cit.).
Surge o Espiritismo e médiuns intermediam a
comunicação entre vivos e mortos. Allan
Kardec destaca-se como codificador da Doutrina Espírita,
que é hoje discutida nas Universidades e nos
cursos de Teologia. Com os médiuns observa-se
a busca da compreensão das leis da vida após
a morte (op.cit.).
Já no século XX, a morte não
é vista como horrível, nem agradável,
torna-se simplesmente ausente, torna-se um evento solitário,
que muitas vezes, é transferida para os hospitais,
onde se vêem os sintomas, as doenças, mas
não a proximidade da morte, nada se falando a
respeito. O avanço da medicina faz com que a
morte não podendo ser suprimida seja estendida,
tendo-se a falsa idéia da onipotência e
vitória. A duração da morte passa
a ser um acordo entre médicos e familiares, deixando
de ser um processo natural (op.cit.).
Na atualidade, se estivermos numa roda de amigos e
surgir o tema morte, perceberemos que existe uma grande
resistência em falar sobre o assunto. Obviamente
que todos nós temos dificuldades com este tema,
mas o que se percebe é que, com raras exceções,
é tratado com defesa, ou seja, fala-se somente
o essencial, como se falar pouco mascarasse o medo e
a dor de pensar e encarar o assunto.
Pensar no morrer incomoda, porque viver também
incomoda, afinal o homem vive em busca de um significado
para a vida e tenta inutilmente encontrar significado
“fingindo” que é imortal e que a
morte nunca vai chegar, pois com tal fantasia haverá
muito tempo para procurar (e encontrar) um sentido para
a vida. Desta forma, nega-se a única e grande
certeza que temos na vida: SOMOS MORTAIS e podemos lidar
bem ou mal com a morte, mas não podemos fugir
dela.
A morte, portanto, é uma etapa da nossa existência
com a qual temos que conviver. Não podemos mudar
o fato de que vamos morrer um dia (aliás, desde
o primeiro minuto de vida já trazemos conosco
a possibilidade de morte), mas podemos mudar a maneira
como lidamos com ela; podemos encará-la e assim
encaramos nossa finitude, ou podemos negá-la
(como fizemos até agora).
Acredito que a questão principal sobre a morte
e o morrer é o medo do desconhecido, é
a dor de não poder controlar algo que é
infinitamente maior que o desejo humano. Diz o dito
popular: “Teme mais a morte, quem mais temeu a
vida”. A pergunta que surge diante dessa questão
e, que cabe a cada um de nós encontrar uma resposta
é: será que vivemos com desapego? Será
que lidamos bem com nossas “mortes diárias”?
Será que lidamos bem com aquelas pequenas questões
que, por vezes, minam nossa satisfação
perante a vida?
Falar de morte significa falar de vida, pois o medo
da morte e a dificuldade de enfrentá-la nos leva
a refletir sobre nossas possibilidades na VIDA.
Creio que, quando conseguirmos abrir mão do
apego à vida, a morte será considerada
realmente como o fim de uma etapa boa e aí viveremos
plenamente, com muito mais intensidade e com uma dose
muito maior de valor à vida. É nos entregando
para a possibilidade da morte que podemos viver realmente,
pois se entregar para a possibilidade de morte é
se entregar para a vida. Não quero dizer com
isso que precisamos pensar na morte, nem tampouco fantasiar
sobre todas as possibilidades diante dela, muito pelo
contrário.
Penso que todos os dias podemos nos preparar para
a morte. Pode parecer até mórbido insistir
tanto nisso, no entanto, NOS PREPARAMOS PARA A MORTE
VIVENDO. Não vivendo de maneira autônoma
ou indiferente, muito menos negando nossa finitude,
mas vivendo dignamente, plenamente e, principalmente
aceitando a vida em toda sua totalidade e finitude.
* Kovács MJ et al. Morte e Desenvolvimento
Humano. São Paulo: Casa do Psicólogo,
1992.
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