Coletamos ao longo da vida um imenso
repertório de memórias em nossas mentes. Pessoas, lugares,
eventos, estórias, habilidades variadas e muitos detalhes
triviais. Como é possível seguir acumulando informações
por tanto tempo, sem confundi-las ou esquecê-las no
caminho? Como é possível evocar a textura fina dos fatos
passados, muitas décadas depois de sua ocorrência? Que
mecanismos permitem-nos modificar lembranças antigas
de maneira seletiva, sem causar danos às lembranças
associadas? De que matéria resistente e plástica são
feitas as memórias?
Sabemos hoje que as memórias residem na vasta rede de
células excitáveis que compõem o sistema nervoso, os
neurônios. Cada neurônio se interliga a milhares de
outros por intermédio de microestruturas chamadas sinapses.
São estes minúsculos pontos de aproximação inter-celular
que permitem a propagação em cascata da excitação neuronal.
Embora a distância sináptica entre duas células seja
muito pequena, raramente verifica-se um contato físico
direto.
A grande maioria das sinapses apresenta uma separação
celular da ordem de 20 nanômetros. Nestes casos, a transmissão
da ativação de uma célula a outra é unidirecional e
baseia-se na difusão de neurotransmissores, moléculas
liberadas por um neurônio pré-sináptico capazes de ativar
receptores químicos na célula pós-sináptica. Dependendo
dos tipos de neurotransmissores e receptores envolvidos,
tal processo pode determinar tanto a excitação quanto
a inibição das células pós-sinápticas. Qual é a relação
entre a transmissão sináptica e a formação de memórias?
Quando uma sinapse é estimulada com alta frequência,
observa-se um aumento subsequente de sua eficácia de
transmissão, isto é, a célula pós-sináptica passa a
responder de forma aumentada a um estímulo pré-sináptico.
Por outro lado, uma estimulação de baixa frequência
resulta na redução prolongada da transmissão sináptica.
Tais efeitos, conhecidos respectivamente como potenciação
e depressão de longo prazo, conferem às sinapses uma
memória fisiológica dos eventos recentes. A potenciação
de longo prazo permite que sinapses muito utilizadas
se tornem mais fortes ao longo do tempo. Da mesma forma,
a depressão de longo prazo enfraquece sinapses pouco
utilizadas.
Recentemente demonstrou-se que a estimulação de sinapses
isoladas causa um fortalecimento local, sem alteração
das sinapses vizinhas (Matsuzaki et al., 2004, Nature
429: 761-766). O truque por trás desta façanha tecnológica
foi a utilização de neurotransmissores sintéticos que
se tornam ativos apenas quando iluminados por lasers
de alta precisão. Este método revelou que a estimulação
de sinapses isoladas causa uma expansão persistente
e tópica do volume pós-sináptico. Esta expansão converte
sinapses imaturas, pequenas, fracas e instáveis em sinapses
maduras, grandes, fortes e estáveis. Assim, a estimulação
de redes neuronais específicas causa modificações morfológicas
ao longo de toda a trajetória de ativação sináptica,
resultando na estocagem duradoura dos padrões de excitação
neuronal aos quais chamamos memórias. Considerando que
o cérebro humano contém cerca de 100 bilhões de neurônios,
que cada neurônio tem cerca de 10 mil sinapses, e que
cada sinapse pode ser potenciada ou deprimida com várias
magnitudes diferentes, não é difícil conceber que nossa
estupenda capacidade de memorização reflete o pontilhado
combinatorial da codificação sináptica. Que aspecto
têm as memórias? Se fossem as telas de um pintor, este
seria Seurat.
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/
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