Avaliação do perfil psicológico infantil em diversas situações na clínica odontopediátrica

Introdução e Revisão da Literatura
A manifestação do medo é um fato que ocorre freqüentemente nos consultórios odontopediátricos, tornando o trabalho do profissional mais difícil, limitando ou impossibilitando-o. Diante desta situação, o odontopediatra terá mais sucesso se conhecer os mecanismos do medo e tiver algumas noções de psicologia infantil.
Segundo SILVARES, SOUZA (1999), o medo é uma manifestação natural, uma emoção, sendo considerado necessário à sobrevivência humana quando estiver dentro dos limites aceitáveis, que variam com a faixa etária da criança. Ele pode ser objetivo (direto ou indireto) e subjetivo, e, muitas vezes, pode estar associado a distúrbios ansiosos ou fóbicos.
GUEDES-PINTO, ISSAO (1994) definem o medo objetivo como sendo decorrente de experiências vividas pela própria criança, as quais provocaram emoções desagradáveis. Este é classificado como sendo direto quando essa experiência ocorreu em um tratamento odontológico anterior, e indireto quando ocorreu em um ambiente semelhante ao odontológico, como no médico, farmácia, entre outros. Já o medo subjetivo é desencadeado através de sugestões vividas por outras pessoas, onde a criança ouve falar da experiência negativa e fantasia que com ela será igual ou pior. Este tipo de medo não está obrigatoriamente ligado à verbalização do problema, pois a criança pode captar a ansiedade de alguém por uma expressão facial ou um gesto, por exemplo.
Um programa de preparo psicológico deve ser o primeiro passo da promoção de saúde da criança nos consultórios odontológicos, uma vez que o ideal é que este tipo de problema seja evitado. Dentro dessa prevenção, os pais assumem um papel importante, e, por isso, devem ser orientados de como conduzir as conversas sobre o dentista e como devem comportar-se durante as visitas ao consultório (WRIGHT, 1995).
Muitas vezes as crianças chegam com medo e nestes casos o profissional deverá saber como lidar com o sofrimento vivido pela criança, como controlar ou reverter a situação, e, ainda, quando encaminhá-la para um tratamento psicológico profissional.
OLIVEIRA (2001) diz que uma atmosfera amistosa com a criança lhe atribui um sentimento de segurança. Em casos onde a criança se mostra muito ansiosa a autora preconiza que sejam feitas várias sessões antes de uma intervenção propriamente dita, para que se estabeleça a confiança.
O medo pode resultar em visitas irregulares ao dentista ou até mesmo em nenhuma visita, o que pode prejudicar a saúde bucal da criança. Esse medo pode ter origem multifatorial, e o comportamento do dentista durante o tratamento é muito importante, pois eles interagem. Repressões, ignorar ou negar os sentimentos das crianças não são eficazes ao combate do medo, sendo mais efetivo dar atenção e conversar sobre o assunto (TEN BERGE et al., 1999).
Para SARNAT et al. (2001), a interação entre odontopediatria e a criança se dá pela comunicação verbal. Ele deve ensiná-la a cooperar e motivar para que ela adote hábitos de saúde bucal. O dentista pode ganhar a confiança da criança, podendo usar três tipos de aproximação: permissiva (onde se utiliza o falar-mostrar-fazer, reduzindo as incertezas), empática (usa-se de aproximações sensoriais pelo diálogo, por exemplo: “Sei como você se sente e me preocupo”) e pessoal (fazendo perguntas pessoais, para se ter um relacionamento confiável). É importante sempre reforçar as palavras, ter controle dos sentimentos, ser persuasivo e ter o controle da voz.
O grau de inteligência pode influenciar na habilidade de comunicação infantil sobre sentimentos e angústias e como devem se comportar adequadamente durante as consultas. Crianças com um QI baixo podem demorar mais tempo para aceitar a situação e reagirem com mais medo (ARNRUP et al., 2002).
Existem alguns padrões de comportamento que demonstram que a criança está atemorizada, como o choro, a palidez da face, taquicardia e aumento da pressão arterial (SILVARES, SOUZA, 1999). Deve-se descobrir qual fator está originando esse quadro. Por exemplo, para algumas crianças, a visão do sangue é traumatizante e pode gerar um mal-estar (GUEDES-PINTO, ISSAO, 1994).
Há também a ansiedade causada pela separação da criança e seus pais, durante a consulta. Isso é considerado normal nas crianças entre 10 e 24 meses de idade. Depois dos 2 anos essa ansiedade pode ser uma disfunção (GUTHRIE, 1997).
A presença dos pais pode ser benéfica para tranqüilizar a criança, ou não, quando os pais são muito agitados e ansiosos (GUTHRIE, 1997). A presença da mãe pode inibir o profissional e tornar a criança menos colaboradora (GUEDES-PINTO, ISSAO, 1994).
Muitas vezes os pais colocam medos nos filhos, como por exemplo, com uma ameaça: “Se você não fizer isto vai tomar injeção”, deixando a criança apreensiva a cada visita ao médico ou dentista (ERCOLIN, 2000).
DAILEY et al. (2001) fizeram estudos sobre a ansiedade diante o tratamento odontológico, como, por exemplo, indicando níveis de ansiedade antes e após o tratamento. Muitas vezes questionários e índices podem ser utilizados em várias áreas da Odontologia para se ter noção da ansiedade dos pacientes e fazer o plano de tratamento destes.
A Britsh Society for Behavioural Sciences in Dentistry Directory, no Reino Unido, enviou um questionário para alguns dentistas pré-selecionados, para saber detalhes sobre o atendimento de pacientes ansiosos, e entre as perguntas, se eram utilizados questionários de ansiedade na anamnese, descobrindo que apenas 17% dos profissionais o utilizavam com crianças, ficando abaixo das expectativas (DAILEY et al., 2001).
Para OLIVIERI, ALVES (2001), é impossível perceber se a criança é ansiosa ou não antes da primeira consulta. Sua pesquisa, onde foram analisados pacientes de ambos os sexos, na faixa etária de 0 a 12 anos, durante suas cinco primeiras consultas, mostra que quase 60% das meninas, e menos de 30% dos meninos tiveram um comportamento negativo. Na análise dos procedimentos realizados houve um baixo índice de rejeição ao isolamento absoluto (5,26%) e as exodontias (0,89%). A anestesia obteve um índice de 37,72% em relação ao comportamento negativo das crianças, pois há uma associação com a dor.
TEN BERGE et al. (1999) concluíram que o medo das crianças vai diminuindo de uma sessão para a outra e que os dentistas são mais comunicativos com os pacientes mais medrosos.
SINGH et al. (2000) fizeram uma pesquisa com crianças de 7 a 13 anos, utilizando três questionários com questões de múltipla escolha, avaliando o medo em relação ao tratamento odontológico, situações causadoras de ansiedade e sobre controle percebido e desejado, onde as meninas revelaram-se mais medrosas e ansiosas; a faixa etária de 11 a 13 anos se mostrou mais temerosa que a de 7 a 9, e este grupo de menor idade também tem um controle percebido e desejado maior em relação aos fatos que ocorrem durante a consulta. E, independentemente da faixa etária, o medo e a ansiedade foram maiores nas crianças que receberam anestesia.

Proposição
O intuito deste trabalho foi avaliar através de questionário e fotos ilustrativas o perfil psicológico frente ao tratamento odontológico de crianças atendidas na Clínica de Odontologia da Universidade Metropolitana de Santos.

Materiais e métodos
A amostra desta pesquisa foi composta por cem crianças de cinco a doze anos de idade, aleatoriamente selecionadas na sala de espera da Clínica de Graduação de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da Universidade Metropolitana de Santos (FOUNIMES).
Foi elaborado um questionário (Quadros 1, 2, 3 e 4) com as principais questões associadas ao comportamento psicológico da criança frente ao tratamento odontológico.
A aplicação do questionário só foi realizada após a pesquisa ter sido autorizada pelo Comitê de Ética da referida Universidade (Parecer nº 074/02) e pelos responsáveis por cada criança através do preenchimento e assinatura do termo de consentimento.
As crianças foram, uma a uma, encaminhadas a uma sala de aula previamente preparada para a aplicação do questionário. Nesta, estavam presentes a aplicadora do teste e a criança sentadas frente a frente. A cirurgiã-dentista lia cada uma das questões e suas respectivas alternativas, sem qualquer outro comentário, evitando indução da resposta, e assinalava a alternativa escolhida pela criança.
O questionário foi composto por quatorze perguntas, sendo treze delas de múltipla escolha e uma com resposta espontânea. Na décima primeira questão as alternativas foram apresentadas através de fotos ilustrativas para melhor compreensão da criança. Foram colocadas sobre um tablado fotos demonstrativas de procedimentos clínicos como anestesia, o uso da caneta de alta rotação, isolamento absoluto, tomada radiográfica, instrumental cirúrgico, profissional paramentado, ambiente odontológico e sangue para que a criança determinasse a situação que mais lhe causasse desconforto (Figuras 1, 2, 3, 4 e 5). Outras duas questões, número treze e quatorze, foram aplicadas apenas às crianças que disseram ter medo de ir ao dentista uma vez que tais questões abordaram aspectos negativos que não deveriam ser estimulados em crianças que afirmaram ter comportamento positivo.
Os dados obtidos neste questionário foram tabulados, contados e transformados em  porcentagem.

Resultados

Os resultados obtidos com o questionário mostraram que 94% da amostra tinham experiências anteriores no consultório odontológico e dentre estas crianças a grande maioria, 93,6%, afirmaram terem tido experiências positivas. As crianças que nunca tinham ido ao consultório odontológico, 6% da amostra, tinham expectativas variáveis em relação à primeira consulta: 50% apresentavam boas expectativas enquanto 16,7% tinham receio do tratamento e 33,3% não sabiam o que esperar da primeira visita.
A maioria das crianças entrevistadas, 51%, preferiram estar sozinhas durante a consulta enquanto 31% gostariam de estar acompanhadas e 18% mostraram-se indiferentes. Dentre as crianças que gostariam de estar acompanhadas, 74,2% queriam a mãe, 9,7% o pai e 16,1% outros parentes ou amigos.
Os dados mostraram que 87% da amostra afirmaram não ter medo de ir ao dentista. 39% das crianças afirmaram que seus familiares não tinham medo da consulta odontológica, 38% disseram que tinham e 23% não souberam detectar.
A pesquisa mostrou que 24% dos pais prometiam recompensa frente ao bom comportamento da criança e 25% deles aplicavam alguma forma de castigo quando a criança não cooperava.
Metade da amostra afirmou gostar que o profissional fale durante o atendimento, 32% foram indiferentes e 18% preferiram que ele ficasse calado. Dentre as formas de comunicação 41% escolheram a conversa, 20% gostariam de ouvir estórias, 6% preferiram ouvir seu dentista cantar e 33% foram indiferentes.
A maior parte dos entrevistados, 79%, gostariam de receber informações sobre os equipamentos odontológicos, 18% não queriam saber nada sobre eles e 3% mostraram-se indiferentes.
Diante das fotos expostas, 59% dos entrevistados escolheram a anestesia como o procedimento mais desagradável ou causador de medo e 16% a caneta de alta rotação. O uso do isolamento absoluto e o do instrumental cirúrgico foram escolhidos igualmente por 8% das crianças e o sangramento foi escolhido por 6% da amostra como sendo o mais indesejável da consulta odontológica. Duas dentre as cem crianças optaram pela tomada radiográfica justificando ser desagradável manter o filme na boca. Nenhuma criança afirmou ser o ambiente odontológico ou o profissional paramentado algo desagradável. Uma dentre as cem crianças afirmou não se sentir desconfortável em nenhuma das situações apresentadas (Gráfico 1).
As informações obtidas na questão quatorze mostraram que os sinais e sintomas mais associados ao medo foram: coração bater mais forte (16,1%), vontade de ficar com a mãe (16,1%), vontade de chorar (14,4%), sudorese (12,9%), vontade de gritar (11,3%), vontade de sair correndo (11,3%), dor de barriga (8,1%), dor de cabeça (4,9%) e raiva (4,9%) (Gráfico 2).

Discussão

O medo e ansiedade são os sentimentos mais comumente encontrados num tratamento odontológico. O profissional deve lançar mão de recursos para abordar o pequeno paciente, tendo conhecimento dos modelos psicológicos e sabendo que cada alteração clínica apresenta sua particularidade.
Uma maneira de se conhecer um pouco nosso paciente é através da anamnese, onde se deve fazer as perguntas à criança, para que ela participe da conversa, assim tornando-a mais íntima. O diálogo deve ser de acordo com a idade, inteligência e interesse desta, devendo ser mantido durante procedimentos clínicos, pois o silêncio prolongado pode gerar um aumento da apreensão. Deve-se evitar mentiras para não perder a confiança da criança e elogiá-la sempre que esta fizer por merecer (GUEDES-PINTO, ISSAO, 1994).
No que se refere aos procedimentos clínicos apontados como desagradáveis ou causadores de medo pelas crianças entrevistadas em nosso trabalho, a grande maioria escolheu a anestesia. Estes resultados estão de acordo com SINGH et al.  (2000) e OLIVIERI, ALVES (2001). Os primeiros pesquisadores relataram medo e ansiedade nas crianças que foram anestesiadas e OLIVIERI, ALVES (2001), obtiveram 37,72% de comportamento negativo frente a anestesia, com associação a dor. Em nossa pesquisa, as crianças também relacionaram a anestesia com expectativa de dor e desconforto.
OLIVIERI, ALVES (2001) encontraram baixo índice de rejeição ao isolamento absoluto e as exodontias, dados estes também observados em nosso trabalho, onde as crianças que escolheram o isolamento absoluto como procedimento clínico mais desagradável, a dificuldade de respirar é o que mais perturbava. Em relação aos procedimentos cirúrgicos, por exemplo, as crianças relataram que o instrumental cirúrgico pode machucá-las e 33,3% relacionaram sangramento com gosto ruim e dor.
Em nosso trabalho, as crianças que tinham medo consciente do tratamento foram questionadas em relação às fantasias negativas, questão treze, e foi detectado que 21,5% delas imaginavam que iriam sentir dor, a mesma parcela de crianças achavam que iriam ter grande sangramento, 14,3% temiam a agulha quebrar dentro de sua boca e o mesmo número de entrevistados achavam que o dentista iria fazer algo ruim. As demais crianças fantasiavam a extração do dente errado (7,1%), tinham medo de morrer (7,1%), receio de ter forte inflamação (7,1%) e alguns não souberam explicar (7,1%) (Gráfico 3). Estes dados revelam a necessidade da utilização de questionários e índices não só na odontopediatria como também nas diversas áreas da Odontologia, como relatou DAILEY et al. (2001), com o objetivo de se ter noção da ansiedade dos pacientes e fazer o correto plano de tratamento.

Conclusões:
1. A correta anamnese e a utilização de recursos adicionais como questionários e índices para detectar o grau de ansiedade e medo das crianças frente ao tratamento odontopediátrico, são de fundamental relevância para o diagnóstico do perfil psicológico do pequeno paciente, contribuindo para o planejamento e elaboração do plano de tratamento.
2. A anestesia e a alta rotação foram os procedimentos clínicos mais desagradáveis e causadores de medo na grande maioria das crianças entrevistadas, necessitando, desta forma, da utilização de todos os recursos de condicionamento psicológico disponíveis na odontopediatria atual antes da execução clínica.

Autores: Souza, Erika R.; Duarte, Sabrina A. M.; Pinheiro, Sérgio L; Bengtson, Antonio L.

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