Neurocisticercose

A neurocisticercose (NCC) é definida como uma infestação do sistema nervoso central (SNC) pelo estágio larval do verme intestinal Taenia solium. A contaminação ocorre pela ingestão dos ovos deste parasita, o que pode acontecer pela higiene inadequada ou utilização de água e alimentos contaminados¹. É considerada a mais freqüente forma parasitária que acomete o SNC dos seres humanos e tem alta incidência em países em desenvolvimento situados na Ásia, África e, principalmente, na América Latina²,³.

O indivíduo portador da forma adulta da Taenia solium (teníase ou solitária) no intestino não apresenta sintomas importantes, o que dificulta a identificação dos casos para possível tratamento e controle4. São eliminadas cerca de 1-5 proglotes por dia, e cada uma carrega cerca de 40 mil ovos férteis, que são muito resistentes a condições adversas, permanecendo viáveis por mais de oito meses, principalmente quando ocupam áreas quentes e úmidas. Isto explica o alto potencial de infectividade do verme em desenvolver a fase larval no hospedeiro intermediário (porco) ou determinar NCC nos seres humanos3,5,6 (Figura 1).

Figura 1. Tomografia computadorizada craniana de paciente portador de vários distos larvários da cisticercose.

A Força-Tarefa Internacional contra a cisticercose, do Centers for Disease Control and Prevention (1993)7, considerou a cisticercose como doença potencialmente erradicável. Foi praticamente eliminada na Europa após ter sido compreendida pela população a forma de contaminação, a necessidade da inspeção da carne e a orientação dos suinocultores para melhorar as condições de higiene no local de criação dos porcos.

O comitê de prevenção da NCC da Academia Brasileira de Neurologia vem desenvolvendo atividades desde 1988 na tentativa de erradicar a doença, tão comum em nosso meio8-10.

A Federação Mundial de Neurologia denuncia o descaso dos governos no combate da NCC e, em outubro de 1991, no VIII Congresso Pan-Americano de Neurologia, redigiu a Declaração de Montevidéu, encaminhada à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS), na qual propunha as seguintes estratégias para o controle do complexo teníase/cisticercose11,12:

PROGRAMAS DE INTERVENÇÃO A LONGO PRAZO
• Legislação adequada para implantar a notificação compulsória do complexo teníase-cisticercose;
• Aprimoramento das condições de saneamento ambiental;
• Educação sanitária da população;
• Modernização da suinocultura;
• Eficácia na inspeção da carne.

INTERVENÇÃO A CURTO PRAZO
• Tratamento da teníase em massa da população.
Róman et al.3 acreditam, fortemente, que seja incorreta a crença de que os ovos de Taenia solium sejam transmitidos ao ser humano pelo ar ou pela água. Estudos epidemiológicos demonstraram que os casos de NCC ocorrem em centros urbanos de alta densidade populacional, o que sugere que a infestação direta desempenhe um papel importante. Postulam que a NCC é uma infestação que se transmite de pessoa para pessoa, por via fecal-oral, a partir de portadores de teníase intestinal. Recomendam combater a idéia, comum entre os próprios médicos, de que a teníase ou solitária seja inofensiva e não necessite de tratamento. Os neurologistas, neurocirurgiões e médicos generalistas não podem deixar de supor que um paciente com NCC provavelmente se infectou com alguém próximo. Recomendam considerar a NCC como uma enfermidade infecciosa que tem como fonte de contágio o ser humano e, para o controle, seguir os mesmos princípios epidemiológicos utilizados habitualmente em outras doenças transmissíveis. O fundamental é declarar a NCC como enfermidade de notificação obrigatória e que todo caso novo receba uma intervenção epidemiológica para interromper a cadeia de transmissão, aplicando as seguintes medidas:
•Busca, tratamento e notificação de portadores de teníase em torno do paciente;
•Busca e tratamento de outros possíveis contatos;
•Educação da população sobre os mecanismos de transmissão e como melhorar as condições de higiene e saneamento;
•Aplicação da inspeção das carnes e limitação do reservatório animal por meio do tratamento dos porcos.
O Ministério da Saúde considera o Brasil todo como endêmica para NCC13. Mas os sistemas de saúde pública têm se mostrado inábeis em conseguir o controle do complexo teníase/cisticercose14, pois os programas sugeridos pela Organização Pan-Americana de Saúde, Organização Mundial de Saúde, Federação Mundial de Neurologia e Academia Brasileira de Neurologia não estão sendo aplicados, e o intuito de informar, controlar e erradicar a doença ainda está longe de ser concretizado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Takayanagui OM, Castro & Silva AAC, Santiago RC, Odashima NS, Terra VC, Takayanagui AMM. Notificação compulsória da cisticercose em Ribeirão Preto-SP. Arq Neuropsiquiatr 1996;54:557-564.
2. Agapejev S. Avanços em neurocisticercose. In: Reimão R, Gagliardi RJ, Spina-França A. Temas de neurologia. São Paulo: Frôntis-Editorial; 1999. p.207-23.
3. Román G, Sotelo J, Del Brutto O et al. A proposal to declare neurocysticercosis na international reportable disease. Bull World Health Organ 2000;78(3):399-406.
4. Schantz PM, Cruz M, Sarti E, Pawlowski Z. Potential eradicability of taeniasis and cysticercosis. Bull Pan Am Health Organ 1993; 27(4):397-403.
5. Camargo NJ. Epidemiological status of the taeniasis/cysticercosis in the state of Paraná (south region of Brazil) and the control strategies. In: Taenasis/cysticercosis complex: future trends toward its control. Washington (DC): PAHO/WHO; 1995.
6. Chimelli L, Lovalho AF, Takayanagui OM. Neurocisticercose: contribuição da necrópsia na consolidação da notificação compulsória em Ribeirão Preto-SP. Arq Neuropsiquiatr 1998;56:577-584.
7. Centers for Disease Control and Prevention. Recommendations of the International Task Force For Disease Eradication (ITFDE). MMWR 1993; 42:1-25.
8. Takayanagui OM. Neurocisticercose: profilaxia. In: Machado LR, Livramento JA, Spina-França A, Nóbrega JPS editor. Neuroinfecção-96. São Paulo: Clínica Neurológica HC/FMUSP; 1996. p.235-243.
9. Takayanagui OM. Programa de controle da cisticercose em Ribeirão Preto In: Machado LR, Livramento JA, Spina-França A, Nóbrega JPS editor. Neuroinfecção-98. São Paulo: Clínica Neurológica do HC/FMUSP; 1998. p.224–232.
10. Takayanagui OM. Programa de controle da cisticercose em Ribeirão Preto/SP. In: Reimão R, Gagliardi RJ, Spina-França A. Temas de neurologia. São Paulo: Frôntis-Editorial; 1999. p.225-32.
11. OPAS – Organización Panamericana de la Salud. Epidemiologia y control de la teniasis/cisticercosis en America Latina. Version 3.0; 1994.
12. Almeida CR. Taeniasis/cysticercosis: determinants and methods of control. In: Taenasis/cysticercosis complex: future trends toward its control. Washington (DC): PAHO/WHO, 1995.
13. Fundação Nacional de Saúde. Projeto para o controle do complexo teníase/cisticercose no Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde, 1996.
14. Sarti E. La taeniasis y cysticdercosis: perspectiva historica, estado actual y necesidades futuras. In: Taeniasis/cysticercosis complex: future trends toward its control. Washington (DC): PAHO/WHO; 1995.

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