Neuroendocrinologia

  A neuroendocrinologia limitava tradicionalmente seu campo de atuação ao estudo das relações entre o sistema nervoso central ( SNC) e o sistema endócrino.Sua atenção, atualmente, expande-se para o entendimento das secreções do SNC ao agir dentro desse sistema ou a distância, dependendo para isso de um transporte dentro da circulação. O crescimento, o desenvolvimento e todo o metabolismo do nosso organismo estão na dependência da interação sistema nervoso-glândula endócrina. O cérebro, principalmente (porém não exclusivamente), via hipotálamo, regula a secreção pelas glândulas endócrinas, por sua vez, agem retroativamente sobre o cérebro, modificando suas ações.

Alguns integrantes do SNC, como hipotálamo, hipófise e pineal, são comprovadamente peças-chave dentro do sistema neuroendócrino, que engloba estruturas nervosas e glandulares, cujas anomalias repercutem de modo desastroso sobre o sistema endocrinológico. Assim, tumores, malformações congênitas, infecções congênitas ou adquiridas, localizadas nessas áreas do SNC, têm sido descritos em associação com baixas estaturas e elevadas, puberdade precoce, infantilismo sexual e diabetes insipidus. Além dessas formações nervosas, outras exercem certos tipos de influências; por exemplo, é bem conhecido o efeito das tensões emocionais e físicas sobre a secreção das trofinas hipofisárias, o que reflete a influência do córtex cerebral sobre as secreções glandulares.

O HIPOTÁLAMO

O hipotálamo é o centro integrador fundamental, pois comunica-se extensamente com grande número de regiões do SNC, comunica-se com diversos órgãos periféricos através do sistema nervoso autônomo ( SNA) e do sistema endócrino, recebe informações de todos os órgãos que controla.

Os primeiros neurocientistas a mostrar a participação dessa região verificaram que certas lesões localizadas no hipotálamo de animais experimentais provocam extrema desmotivação ( causando, por exemplo, a interrupção da ingestão de alimentos). A seguir realizaram experimentos de estimulação elétrica ou infusão de neurotransmissores no hipotálamo de animais despertos, e puderam observar a ocorrência ou a interrupção motivados ( como a ingestão de alimentos). Os experimentos foram sendo gradativamente refinados, e tornou-se possível registrar a atividade elétrica de neurônios hipotalâmicos individuais, relacionando-a com estados motivacionais e seus comportamentos. A simples motivação dos alimentos, por exemplo, pode provocar a ativação de neurônios hipotalâmicos.

Três conclusões gerais puderam ser tiradas dessa série de experimentos que se iniciou na década de 20, estendendo-se até hoje. A primeira foi que o hipotálamo não atua isoladamente, sendo articulado com: 1- áreas corticais de controle, que se encarregam dos estados motivacionais; 2- sistemas motores somáticos, que comandam os comportamentos correspondentes e 3- sistemas eferentes neurais e humorais, como o SNA, o sistema endócrino e indiretamente o imunitário, que realizam as ações fisiológicas reguladoras. A segunda conclusão foi de que essa ação coordenada do hipotálamo com outras regiões neurais exclui a idéia antiga de “centros” de função antagônica ( um “centro da fome” , um “centro da saciedade”, por exemplo). Finalmente, a terceira conclusão foi de que a divisão de tarefas entre as diversas regiões neurais envolvidas reserva ao hipotálamo a coordenação dos comportamentos consumatórios, muito mais que apetitivos. Os tremores de frio, assim seriam controlados pelo hipotálamo em resposta a uma diminuição da temperatura ambiente e/ou da temperatura sangüinea. A busca de agasalho, por outro lado, seria controlada por regiões corticais, por depender de aprendizagem associativa que relaciona certos tipos de vestimenta á geração de calor, certo tipos de móveis à guarda roupas, e assim por diante.

O hipotálamo, desse modo, pode ser considerado o grande coordenador da homeostasia, pois além dos comportamentos consumatórios controla também os ajustes fisiológicos que ocorrem em paralelo.

A ESTRUTURA DO HIPOTÁLAMO

Como o hipotálamo ocupa um volume relativamente pequeno mas possui um grande número de agrupamentos neuronais distintos, pode-se subdividi-lo em três colunas longitudinais de cada lado. A que fica mais próxima da linha média é a coluna periventricular. Seguem-se sucessivamente o hipotálamo medial e o hipotálamo lateral. Essas regiões, por sua vez, são constituídas de numerosos núcleos cuja identificação é complicada até mesmo para os histologistas mais experientes.
A multiplicidade das conexões que o hipotálamo estabelece com outras regiões inevitavelmente faz com que ele participe de inúmeras funções. Algumas dessas conexões entram e saem do hipotálamo de modo difuso, mas outras são reunidas em cinco grandes feixes de fibras: o feixe prosencefálico medial, o fascículo longitudinal dorsal, o fórnix, a via amigdalófuga ventral e o feixe mamilo-talâmico.

Região pré-optica Hipotálamo anterior Região
Tuberal
Hipotálamo anterior
Coluna periventricular Órgão vascular da lâmina terminal

Detecção de sinais químicos para termorregulação e sede

Núcleo supraquiasmático

Sincronização de ritmos circadianos

Núcleo periventricular

Intermédio

Núcleo periventricular posterior
Núcleo pré-óptico mediano Núcleo periventricular

Anterior

Núcleo arqueado

Monitorização da quantidade de gordura do tecido adiposo

Nucleo hipotalâmico posterior

Detecção de hipotermia; termorregulação

Núcleo pré-óptico periventricular Núcleo hipotalâmico anterior

Detecção de hipertermia; termorregulação

Eminência mediana

Secreção de hormônios de liberação e inibição da adenohipófise

Núcleo periventricular antero-lateral Núcleo paraventricular

Síntese de hormônios da neuro-hipófise; comportamentos consumatórios de sede

Coluna medial Núcleo pré-optico

Medial

Controle de comportamentos consumatórios sexuais

Núcleo supra-óptico

Síntese de hormônios da neuro-hipófise; comportamentos consumatórios da sede

Núcleo ventromedial

Controle de comportamentos consumatórios de fome e sexo

Núcleo premamilar dorsal
Área retroquiasmática Núcleo dorsomedial Núcleos mamilares
Núcleo prémamilar ventral Núcleos supramamilares
Núcleo túbero- mamilares

Regulação dos comporamentos de alerta durante o despertar e a vigília

Coluna lateral Área pr-e-óptica lateral

Termorregulação

Área hipotalâmica lateral

Comportamentos consumatórios de fome

Área hipotalâmica lateral

Controle de comportamentos consumatórios de fome

Área hipotalâmica lateral

Comportamentos consumatórios de fome

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O feixe prosencefálico medial e o fascículo longitudinal trazem grande parte da informação sensorial que o hipotálamo utiliza para orientar os compotamentos motivados. As conexões olfatórias são particularmente necessárias a dois deles: o comportamento alimentar e o sexual/reprodutor. São muito importantes também as informações provenientes das vísceras, carreadas pelos nervos facial (VII), glossofaríngeo (IX) e o vago (X), e utilizadas pelo hipotálamo em quase todos os comportamentos motivados.

            O hipotálamo recebe também uma projeção muito específica originada na retina e no tálamo visual, que termina no núcleo supraquiasmático. Esse circuito se dedica a informar o “relógio hipotalâmico” sobre as variações de luz ambiente, sincronizando sua atividade com o ciclo dia-noite. Os ciclos de atividade gerados pelo núcleo supraquiasmáticos são repassados a outros núcleos hipotalâmicos, que ao coordenar os ajustes fisiológicos e os comportamentos motivados o fazem também de modo cíclico. É por isso, em parte, que a temperatura corporal apresenta oscilações a cada 24 horas, a ingestão de alimentos e de líquidos se repete em momentos definidos a cada dia, e a atividade sexual/reprodutora, especialmente nas mulheres, sofre oscilações mensais.

            Além das informações  sensoriais e daquelas utilizadas como temporizadoras (geradoras de ritmos), o hipotálamo recebe também informações provenientes do sistema límbico, o conjunto de regiões neurais dedicadas a interpretar e responder aos estímulos externos e internos de carácter emocional. O hipotálamo utiliza essas informações para realizar os ajustes fisiológicos que são necessários nas situações que geram em nós as experiências subjetivas que chamamos de emoções. É o que acontece quando temos medo, quando esperamos o início de uma prova, ou quando nos aproximamos de uma pessoa desejada.

            Todas essas informações que entram no hipotálamo o fazem através de vias aferentes que consistem em diferentes sistemas de fibras nervosas, reunidas em feixes ou não. Trata-se então de informação codificada em sinais neurais, os potenciais de ação e potenciais sinápticos. No entanto, para grande parte dos ajustes homeostáticos que são necessários no dia-a-dia, essa informação neural não basta. O hipotálamo utiliza sinais químicos circulantes para modular os ajustes fisiológicos e os comportamentos motivados.

A PENETRAÇÃO DOS SINAIS QUÍMICOS

            Não só o hipotálamo, mas também várias outras regiões do sistema nervoso recebem sinais químicos do organismo que orientam a sua função. Ficam quase todas em torno dos ventrículos, e por isso são chamadas órgãos circunventriculares. Duas características são típicas desses órgãos receptores especiais: (1) neles, a barreira hemato-encefálica é permeável, pois os capilares que os irrigam são fenestrados; e (2) seus neurônios possuem receptores moleculares para diferentes substâncias circulantes. Essas características fundamentais permitem que os sinais químicos provenientes do organismo possam ter acesso aos neurônios dos órgãos circunventricultares, permitindo que estes respondam especificamente a cada um deles.

            A neuro-hipófise é um tecido glandular de origem neural que não possui corpos neuronais mas sim axônios originados no hipotálamo. É uma glândula porque os axônios hipotalâmicos que aí terminam são secretores de hormônios. Mas também pode ser considerado um órgão circunventricular porque possui capilares fenestrados por onde penetram na circulação os neuro-hormônios.

            A glândula pineal é também um tecido glandular de origem neural. Entretanto, diferentemente da neuro-hipófise, apresenta células neuronais modificadas que secretam o hormônio melatonina sob o comando indireto do hipotálamo. Sabe-se que a melatonina é um sinal químico que atua sobre vários órgãos assinalando a duração da noite. É que a sua concentração sanguínea cresce durante a noite; quanto maior a duração do período noturno, mais alta a concentração de melatonina.

COMANDOS NEUROENDÓCRINOS

            Um conjunto de comandos é emitido pelo hipotálamo para produzir os ajustes fisiológicos necessários a cada situação: são os comandos neuroendócirnos. Isto significa a secreção de hormônios cirulantes, cuja ação será efetuada a distância nos vários órgãos e tecidos do organismo.

            A existência de neurônios secretores no SNC foi descoberta na década de 30 por histologistas alemães, que identificaram a presença de hormônios nas intumescências dos terminais axônicos da neuro-hipófise. Já se sabia então que esses axônios se originavam nos grandes neurônios dos núcleos supra-óptico e paraventricular do hipotálamo, formando um feixe ou eixo hipotálamo-hipofisário, que depois se demonstrou fundamental para o controle neural da secreção de hormônios. Alguns desses axônios se estendem até a neuro-hipófise, onde formam  intumescências que contêm numerosos grânulos de secreção. Outros não são tão longos, e terminam na eminência mediana, ou seja, na haste do infundíbulo que conecta o hipotálamo com a hipófise. O endocrinologista argentino Bernardo Houssay analisou o sentido do fluxo sanguíneo e a morfologia da delicada vascularização entre o hipotálamo e a hipófise, e descreveu a chamada circulação porta-hipofisária, que consiste em duas redes capilares conectadas por um “vaso porta”.  A primeira rede capilar se distribui na eminência mediana e a segunda na adeno-hipófise. A circulação da neuro-hipófise apresenta apenas uma rede capilar. O fato importante é que todas essas redes são constituídas pro capilares fenestrados; essa característica permite que as paredes endoteliais dos capilares dêem livre passagem a sinais químicos do sangue para o parênquima, e em sentido inverso.

            A circulaçâo porta-hipofisária é um veículo para a entrada de sinais químicos provenientes do organismo e percebidos pelo menos por alguns axônios hipotalâmicos. Entretanto, ela age também como veículo para os comandos químicos que o hipotálamo emite, ou seja, os hormônios que os axônios supra-ópticos e paraventriculares secretam na neuro-hipófise e na eminência mediana, quando suas membranas se despolarizam com a chegada de potenciais de ação. Na neuro-hipófise são secretados dois peptídeos – o hormônio antidiurético e a ocitocina, que penetram na circulação através dos capilares fenestrados e vão atuar nos capilares renais ( hormônio antidiurético) e na musculatura lisa do útero ( ocitocina). Na eminência mediana são secretados inúmeros hormônios que penetram na primeira rede capilar da circulação porta e saem novamente na segunda rede capilar, em pleno parêquima da adenohipófise. A maioria desses hormônios hipotalâmicos provoca a secração hormonal hipofisária: são os hormônios de liberação, como o hormônio liberador de tireotrofina. Outros, entretanto, podem ter ação oposta, inibindo a secreção: são os hormônios inibidores de liberação, como a somatotastina.

            Assim, estímulos externos vão para diferentes locais do SNC, daí para o hipotálamo que codifica e organiza estes estímulos, percebendo como está a hemostasia, o equilíbrio do nosso organismo, levando em conta, não só o que é fisiológico, mas também o emocional e a partir disto haverá a liberação de hormônios que controlarão os níveis de eletrólitos, o quanto devemos ingerir de água, a temperatura do nosso corpo, os ciclos menstruais da mulher, o quanto de leite uma nutriz produz. Encaro como se fosse uma grande equação onde o resultado é o equilíbrio do corpo humano.

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