Síndrome de Gilles de la Tourette (Síndrome dos tiques)

Os tiques são 4 transtornos geralmente temporários, associados à distúrbios emocionais provenientes de dificuldades na vida familiar, escolar ou no desempenho profissional, em que a auto-estima, freqüentemente, está comprometida (9). São representados por atividades motoras repetitivas (piscar os olhos, deslocamento rápido da cabeça ou dar de ombros, franzir o nariz, entortar a boca, morder a bochecha, morder objetos ou gola de camisa) ou emissões fônicas pouco usuais (tosse seca, arrotos, pigarros, grunhidos, sons nasais inspiratórios ou expiratórios, como se promovendo “limpeza” nasal). Estas atividades, aparentemente, involuntárias e inconscientes, determinam mal estar, repulsa e, até mesmo, reações exasperadas nas pessoas de convívio íntimo. Em condições de maior estresse, os tiques tornam-se muito mais evidentes. Por outro lado, podem ser parcial ou totalmente suprimidos voluntariamente.

Podemos definir os tiques como movimentos, gestos ou vocalizações que surgem de forma súbita, imitando uma atividade normal e que se repetem de forma estereotipada. São de curta duração e, às vezes, podem ocorrer agrupados. Costumam ser autolimitados, desaparecendo totalmente num período inferior a 12 meses ou ser substituído por outro tipo de maneirismo ou mania. A presença de tiques transitórios é mais freqüente entre as crianças, ocorrendo em cerca de 10% delas, com nítido predomínio nos meninos (4). A faixa etária de maior incidência situa-se entre 7 e 11 anos. É mais encontrado entre crianças brancas e residentes em áreas urbanas (9).

Os tiques podem estar presentes em crianças normais ou mesmo naquelas com atraso na aquisição da fala e/ou dificuldade escolar. Entretanto, na maioria das vezes, a presença do tique não determina preocupação no(a) professor(a), acreditando que este faz parte do quadro emocional que acompanha a dificuldade de linguagem (falada ou escrita). Mas atenção! Se você professor(a) tiver em sua classe um aluno portador de algum tipo de tique, existe a possibilidade de tratar-se de uma síndrome descrita por Gilles de la Tourette em 1885. É importante conhecermos esta patologia porque podem estar associados outros sinais e sintomas que você insiste tentar corrigir, sem saber que faz parte de uma síndrome que, potencialmente, pode ser resolvido com tratamento medicamentoso. Isto mesmo!!! É um transtorno que pode ser controlado com o uso de medicamento!!! E não é tão raro como pode parecer. Acredita-se que é pouco diagnosticado pelo desconhecimento dos profissionais que lidam com crianças, tanto na área médica, como psicológica, psicopedagógica, pedagógica e fonoaudiológica.

A SÍNDROME DE GILLES DE LA TOURETTE
A síndrome é um transtorno de tique grave, progressivo, em que tiques motores múltiplos e vocais (tiques fônicos) ocorrem combinados. Tem início precocemente na infância, com características benignas, observando-se apenas crises passageiras de tiques motores simples, como piscar os olhos ou movimentos bruscos do pescoço/cabeça, podendo surgir e desaparecer, ou tornar-se persistentes a ponto de já desencadear efeitos nocivos na criança, frente a reação (de certa forma) agressiva da família e as gozações de colegas da escola. À medida que a síndrome se desenvolve, os tiques motores, inicialmente simples, adquirem características mais complexas e múltiplas. Ficam camuflados na forma de atividade motora intencional (como remover o cabelo da testa com o braço), mas acaba sendo identificado como tique por seu caráter repetitivo.

Os tiques fônicos, iniciam-se após cerca de dois anos dos sintomas motores, com características simples como grunhidos, pigarros, gritos agudos e curtos. Não raramente, a criança passa a receber apelidos conforme o som que desenvolve. Por exemplo, passa a ser conhecido na escola como “hic”, porque ao apresentar o tique motor, emite este som agudo e breve.

As crianças comprometidas com a síndrome dos tiques, podem apresentar, associadamente, alguns distúrbios no comportamento, incluindo fala ou conduta desinibida, impulsividade, desatenção, hiperatividade motora e, tardiamente, sintomas obsessivo-compulsivos, caracterizados por rituais, idéias obsessivas, necessidade de tocar, friccionar, entre outros (1).

O progresso do transtorno determina o aparecimento de maior complexidade da atividade motora, com a presença de posturas e movimentos rápidos, múltiplos e estereotipados, podendo haver participação de todos os segmentos corpóreos, com o indivíduo chegando a simular pulos com quedas espetaculares (sem contudo sofrer qualquer tipo de lesão). Nas apresentações mais graves, já bem mais raras e encontradas principalmente nos adolescentes entre 10 e 15 anos, pode ser observado tiques do tipo copropraxia (gestos obscenos) ou manifestação motora com atitudes de auto-agressividade como tapas em alguma parte do corpo, morder os pulsos, golpear a face, ou, simplesmente, bater palmas em momentos de estresse (9). Os tiques fônicos também mostram progressão, com a substituição dos sons estereotipados por ecolalias (repetição das palavras do interlocutor) ou coprolalias (vocalização de palavras obscenas), isto é, ao invés de grunhidos, o tique fônico torna-se articulado com emissão de palavras, sentenças curtas e, principalmente, palavrões, emitidos em tom alto, gritado. O quadro torna-se dramático e assustador, levando, erroneamente, a diagnóstico psiquiátrico.

A partir dos 10 anos, a criança passa a perceber que existem impulsos sensoriais que antecedem os tiques, como uma coceira ou sensação de cócegas numa determinada área do corpo (10). Esta sensação de desconforto é aliviada quando da ocorrência do tique, dando a falsa impressão ao pré-adolescente acometido, de que o tique possa ser voluntário (7). Por outro lado, esta sensação premonitória pode promover o desenvolvimento da habilidade em reprimir os tiques. Pode disfarçá-los a comportamentos quase imperceptíveis, como um leve levantar de ombros acompanhado de um som gutural abafado. Em ocasiões de grande estresse pode-se perder esta capacidade de repressão, realizando movimentos extremamente impetuosos de braço, acompanhado de um vociferar alto, como um grunhido, e que são alarmantes.

Podemos definir a Síndrome de Gilles de la Tourette, de acordo com os seguintes critérios (2):
• instalação na infância ou adolescência (entre 5 e 15 anos).
• tiques motores simples no início, com a progressão para tiques motores múltiplos e complexos.
• tiques vocais simples no início, com progressão para palavras articuladas, frases curtas e, posteriormente, ecolalia e coprolalia.
• sintomatologia flutuante, com períodos (meses) de exacerbação e de diminuição.
• dificuldades comportamentais como impulsividade, desatenção, hiperatividade motora e sintomas obsessivo-compulsivos.
• Entre 10 e 15 anos é o período em que a sintomatologia é mais grave e evidente.
• Existe importante melhora na fase adulta.

FISIOPATOLOGIA
Embora ainda não se conheça perfeitamente a fisiopatologia e nem a etiologia, existe uma série de evidências que indicam ser a Síndrome de Gilles de la Tourette um distúrbio neurológico e não psiquiátrico. Já sabemos que tem caráter familiar em cerca de 80% dos casos, sendo que as manifestações nos familiares costumam ser frustras, com tiques simples e traços de personalidade de tipo obsessivo-compulsivo. A localização gênica no Genoma Humano já está determinada: número da anomalia segundo McKusick (MIM) 137580 e atingindo o cromossomo 18, na porção q22,1 (13).
Os núcleos ou gânglios da base são as estruturas encefálicas implicadas na patologia da Síndrome de Gilles de la Tourette, que se apresentam com menor volume e com evidente decréscimo do seu metabolismo. O desequilíbrio dos neurotransmissores é responsabilizado pelos sintomas de tiques (dopamina, acetilcolina, dinorfina, GABA), desatenção/hiperatividade (noradrenalina) e transtorno obsessivo-compulsivo (serotonina, glutamato) (8).

A explicação para o maior encontro desta síndrome entre os meninos, na proporção de 9 para 1, é a suposição de que os hormônios andrógenos atuam no período pré-natal, quando o cérebro está sendo formado, modificando a estrutura cerebral e, conseqüentemente, a sua resposta no futuro. Ou então, que depende da ação modificadora dos primeiros hormônios masculinos adrenais, quando da adrenarca que ocorre entre 5 e 7 anos (11).

Tratamento
O tratamento da criança com Síndrome de Gilles de la Tourette deve incluir:
a) Neurologista: que consegue o controle dos sintomas em 80% dos casos, utilizando haloperidol isolado ou associado com pimozida (12).
b) Psicologia para orientação familiar. A orientação psicológica busca transformar a impressão familiar de que a presença dos tiques seja voluntária e com intenção provocativa. Visa, ainda, confortar a família com a possibilidade dos transtornos não serem rigidamente progressivos e que, normalmente tendem a melhorar na idade adulta (5). Essa informação passa a ser vital para aqueles familiares que têm acesso a literatura leiga ou médica geral, que enfoca a síndrome com os casos mais graves e extremos e que, felizmente, são pouco freqüentes.
c) Fonoaudiologia: para o acompanhamento do desenvolvimento escolar que costuma ser abaixo do esperado frente a desatenção e dificuldade específica no aprendizado de leitura e escrita.
d) Os professores devem ser orientados para agir com maior compreensão e moderação frente aos episódios de tiques que podem ter características de alta impetuosidade e agressividade (física e/ou vocal). Por ocasião das provas, devido ao estresse e conseqüente acentuação dos tiques, permitir sua realização em ambiente isolado dos outros alunos ou priorizar as provas orais. Os colegas de classe devem receber orientação especial para evitar caçoar da criança (3).

PROGNÓSTICO
O prognóstico é bom, exceto no período entre 10 e 15 anos em que os indivíduos têm piora dos sintomas (6). Na fase adulta o curso da doença é variável, mas a maioria apresenta leves tiques, mais ou menos estáveis, que crescem e diminuem conforme a fase de maior ou menor estresse. A pior complicação se relaciona ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos obsessivo-compulsivos (TOC), com fixação em manias de caráter patológico estigmatizante. Na maioria dos adultos acometidos, o que se observa são discretos tiques acometendo a região da face, cabeça e pescoço, associados à atividades obsessivo-compulsivos como abrir e fechar várias vezes uma pasta para certificar-se de que a mesma esta fechada, ligar e desligar um determinado aparelho eletrônico para ter certeza de que está desligado, entre muitas outras compulsões ou obsessões.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Baer, L. Factor analysis of symptom subtypes of obessive compulsive disorder and their relation to personality and tic disorders. J Clin Psychiatry, 55:18-23, 1993
2. Barbosa, ER. Doenças relacionadas a distúrbios do movimento. In Diament, A & Cypel, S. Neurologia Infantil, 3 ed., São Paulo, Atheneu, 1996. pp. 591-598.
3. Bronhein, S. Na educator’s guide to Tourette syndrome. J Learn Disabilities, 24:17-22, 1991.
4. Burd, L, Kerbeshian, L, Wikenheiser, M et al. A prevalence study of Gilles de la Tourette’s syndrome in North Dakota school-age children. J Am Acad Child Psychiatry, 25:552-553, 1986.
5. Cohen, DJ, Ort, SI, Leckman, JF, et al. Family functioning and Tourette’s syndrome. In Cohen, DJ, Bruun, RD & Leckman, JF (eds): Tourette’s Syndrome and Tic Disorders. New York, Jonh Wiley & Sons, 1988, pp. 179-196.
6. Erenberg, G, Cruse, RP & Rothner, Al. The natural history of Tourette’s syndrome: a follow-up study. Ann Neurol, 22:383-385, 1987.
7. Lang, A. Patient perception of tics and other movement disorders. Neurology, 41:223-228, 1991.
8. Leckman, JF, Peterson, BS, Anderson, GM, et al. Pathogenesis of Tourette’s syndrome. J Child Psychol Psychiatry, 38: 119-142, 1997.
9. Leckman, JF, Peterson, BS, Pauls, DL & Cohen, DJ. Transtornos de tique. In Miguel, EC, Scott, LR & Leckman, JF. Neuropsiquiatria dos Gânglios da base. São Paulo, Ed. Lemos, 1998. pp.206-236.
10. Leckman, JF, Walker, DE & Cohen, DJ. Premonitory urges in Tourette’s syndrome. Am J Psychiatry, 150:98-102, 1993.
11. Peterson, BS, Leckman, JF, Scahill, L, et al. Hypothesis: Steroid hormones and sexual dimorphism modulate symptom expression in Tourette’s syndrome. Psychoneuro-endocrinology, 17:553-563, 1992.
12. Shapiro, ES, Shapiro, AK, Flop, G, et al. Controlled study os haloperidol, pimozide, and placebo for the treatment of Gilles de la Tourette’s syndrome. Arch Gen Psychiatry, 46: 722, 1989.
13. Wajntal, A & Diament, A. Introdução às técnicas do DNA recombinante utilizadas em genética humana. In Diament, A & Cypel, S. Neurologia Infantil. 3 ed., São Paulo, Atheneu, 1996. pp. 336-351.

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